
Entendendo herança e partilha de bens: Um guia compreensivo
A herança se trata do conjunto de bens, direitos e obrigações deixados por uma pessoa após sua morte. Esses bens são transferidos aos herdeiros por meio de um processo de inventário, que culmina na partilha do patrimônio. A partilha dos bens, entretanto, é marcada por diversas questões jurídicas que devem ser analisadas de forma crítica.
Quem são os herdeiros necessários?
Os herdeiros necessários estão previstos no art. 1.845 do Código Civil e são os parentes mais próximos do falecido: descendentes (filhos, netos, bisnetos), ascendentes (pais, avós, bisavós) e cônjuge. Já, os herdeiros colaterais são parentes de até 4º grau, aqueles que não figuram como ascendentes, descendentes ou cônjuges diretamente do falecido, como os irmãos, sobrinhos e tios, por exemplo.
O art. 1.839 do Código Civil estabelece a ordem de preferência de classes na sucessão, a qual se inicia com descendentes em concorrência com o cônjuge sobrevivente (a depender do regime de casamento), ascendentes em concorrência com o cônjuge sobrevivente, o próprio cônjuge sobrevivente e, por fim, os colaterais. Ou seja, existindo herdeiros descendentes, estes excluirão os ascendentes e os colaterais, mas sempre haverá possibilidade de concorrência do cônjuge sobrevivente entre descendentes e ascendentes.
Nesse ponto, é importante salientar que a existência de qualquer herdeiro necessário exclui o direito a herança por herdeiros colaterais. Isso significa que se o falecido tiver herdeiros necessários, eles receberão a integralidade da herança do falecido, enquanto herdeiros colaterais nada receberão, exceto se houver disposição testamentária por parte do falecido.
Havendo um testamento pelo falecido, os beneficiados são denominados herdeiros testamentários e podem receber até 50% do patrimônio do falecido, porquanto o restante é reconhecido como a “legítima” dos herdeiros necessários, nos termos do art. 1.846 do Código Civil, e deve ser obrigatoriamente conferido a eles. A existência de testamento público pode ser verificada por meio da obtenção de certidões pelo sistema CENSEC (Central Notarial de Serviços Eletrônicos Compartilhados), que faz uma busca em todos os cartórios do país.
Quais os direitos dos cônjuges e companheiros?
O regime de bens do casamento ou união estável afeta diretamente os direitos do cônjuge sobrevivente. Quando se trata da comunhão universal de bens, todos os bens do casal pertencem a ambos os cônjuges de modo que o sobrevivente é meeiro (tem direito à metade dos bens), mas não é herdeiro da outra metade.
Na condição de comunhão parcial de bens o cônjuge passa a ser meeiro dos bens adquiridos onerosamente após o casamento e herdeiro apenas dos bens particulares. Já, na separação total de bens convencional o cônjuge não tem direito a meação e pode ser considerado herdeiro juntamente com os descendentes ou ascendentes, enquanto que na separação obrigatória de bens o cônjuge sobrevivente sequer figurará como herdeiro. Vale lembrar que o Judiciário já reconheceu que o companheiro (aquele que convive em união estável) tem os mesmos direitos do cônjuge, conforme o regime adotado na união.
Qual a ordem de sucessão?
A ordem de sucessão é definida pelo já mencionado art. 1.839, e é importante mencionar que a existência de um herdeiro com maior prioridade/maior proximidade exclui os demais que não tenham a mesma condição que ele, nos termos do art. 1.833. A título de exemplo, se o falecido tinha um filho e um pai vivos no momento de sua morte, o filho excluirá o pai do falecido (avô) da linha sucessória, assim como o pai do falecido excluiria um irmão do falecido da linha sucessória. Em relação a herdeiros da mesma espécie, como por exemplo múltiplos filhos, estes herdarão igualitária e proporcionalmente, não havendo qualquer distinção entre eles, mesmo entre filhos biológicos, adotivos ou fora do casamento.
O neto pode receber herança dos avós?
Os netos herdarão por representação, ou seja, apenas receberão a herança que caberia a seus pais caso estes tenham falecido antes dos avós, nos termos do art. 1.851 do Código Civil. Neste exemplo, o “pai”, que tinha um filho, faleceu antes do “avô”, de modo que quando o “avô” falecer o filho receberá a parcela da herança que incumbia ao “pai”. Caso haja mais de um, eles dividirão a parcela que era de direito do “pai”.
Quando uma pessoa poderá ser impedida de receber a herança?
Existem situações em que herdeiros ou legatários podem ter o direito à herança afastados em razão de condições ou comportamentos.
O art. 1.814 prevê que herdeiro ou legatários serão excluídos quando:
- Houverem sido autores, co-autores ou partícipes de homicídio doloso (ou tentativa) contra o falecido, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente;
- Houverem acusado caluniosamente em juízo o autor da herança ou incorrerem em crime contra a sua honra, de seu cônjuge ou companheiro;
- Obstarem ou inibirem com violência ou meios fraudulentos o autor da herança de dispor livremente de seus bens.
E o art. 1.961 ainda dispõe sobre a possibilidade de deserdação quando o herdeiro:
- Houver ofendido fisicamente o autor da herança;
- Houve cometido injúria grave contra o autor da herança;
- Houver mantido relações ilícitas com a madrasta ou padrasto;
- Deixar de prestar amparo ao autor da herança com alienação mental ou grave enfermidade.
Qual a importância do inventário e por que fazê-lo?
A realização do inventário e da partilha dos bens do falecido é a única forma dos herdeiros realmente poderem dispor do patrimônio por ele deixado de forma completamente regular. Embora não seja impossível que os herdeiros usufruam dos bens deixados pelo falecido sem o procedimento de inventário, a ausência de formalização do procedimento implicará a impossibilidade ou maior dificuldade para a venda de bens e a impossibilidade de exercer a defesa de direitos de propriedade.
Situações irregulares, como o uso de um imóvel por um herdeiro exclusivamente podem até mesmo levar à usucapião do bem deixado pelo falecido, o que resultará em evidente prejuízo para os demais herdeiros. Atualmente o inventário pode até mesmo ser realizado de forma extrajudicial quando houver consenso entre os herdeiros, o que facilita, barateia e agiliza o procedimento ao se tratar diretamente com um cartório, sem necessidade de intervenção judicial.
Entender os seus direitos sucessórios é fundamental para evitar conflitos familiares e é possível até mesmo tomar medidas preventivas ainda em vida para evitar que os herdeiros entrem em disputa pelos bens dos patriarcas. Por isso, contar com orientação jurídica e realizar um bom planejamento sucessório são atitudes prudentes que asseguram que os bens de uma vida inteira sejam distribuídos conforme a vontade do titular e os ditames legais.
Fábio Fernandes Lunardi