Você sabe o que é e como funciona a usucapião extrajudicial de bens imóveis?
Por Wenderson Lima Soares
Antes de falar sobre essa modalidade de reconhecimento da usucapião, é importante recordar que muitas demandas que antes necessitavam obrigatoriamente da chancela judicial, hoje já podem ser resolvidas via procedimento cartorário, com significativo ganho de tempo e economia de recursos, como é o caso, por exemplo, do divórcio consensual e das partilhas extrajudiciais por morte.
Nesse sentido, cabe lembrar que, com a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015, inaugurou-se a possibilidade de requerimento administrativo de usucapião, desde que haja consenso entre as partes envolvidas, e sejam satisfeitos os requisitos legais para a aquisição prescritiva. Anteriormente, como se sabe, o procedimento de usucapião dependia do ingresso de uma ação judicial, demandando, por vezes, um longo trâmite processual.
Leonardo Brandelli, discorrendo acerca da usucapião administrativa, nos traz o seguinte conceito:
“Trata-se o procedimento de usucapião extrajudicial de um processo administrativo, conduzido por uma autoridade administrativa, que o preside, analisa o conjunto probatório, e, ao final, defere ou denega o pedido feito”[i]
A autoridade administrativa, no caso, é o Registrador Imobiliário.
Visto que qualquer das modalidades de usucapião pode ser objeto de reconhecimento extrajudicial, a questão que se apresenta, inicialmente, é saber quais são os requisitos para aquisição da propriedade pela usucapião.
Quanto a este ponto, importa esclarecer que a usucapião é uma forma de aquisição originária da propriedade. Ela se dá com a posse prolongada, mansa, pacífica e ininterrupta, em relação a um determinado bem, com o exercício sobre este bem de atos típicos de verdadeiro proprietário. A depender da modalidade, a lei exige, além da posse prolongada, a existência de boa-fé e justo título.
Assim, temos a usucapião extraordinária, modalidade prevista no Código Civil, em seu artigo 1.238, segundo o qual “aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis”. Este prazo poderá ser reduzido a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo.
Por outro lado, a usucapião ordinária, prevista no artigo 1.242 do Código Civil, estabelece prazos mais curtos para aquisição da propriedade, no caso 10 anos, podendo ser reduzido para 5 anos, na hipótese de ter sido o bem adquirido onerosamente, com base no registro constante do respectivo cartório, cancelada posteriormente, desde que os possuidores nele tenham estabelecido a sua moradia, ou realizado investimentos de interesse social e econômico. Em todo caso, para esta modalidade, exige-se, ainda, o justo título e a boa-fé.
Outra modalidade possível, é a usucapião especial urbana, com previsão constitucional, no artigo 183, e no Código Civil, em seu artigo 1.240. Reza a legislação que, o possuidor de uma área urbana de duzentos e cinquenta metros quadrados, que a ocupe por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
Há, ainda, a usucapião especial rural. Esta modalidade também está prevista na Constituição Federal de 1988 (art. 191) e no Código Civil de 2002 (art. 1.239). Segundo estes preceitos legais, “aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a cinquenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade”.
Outra modalidade de usucapião, prevista no artigo 10, da Lei 10.257/2001, é conhecida como usucapião coletiva. Estabelece o citado artigo:
Art. 10. Os núcleos urbanos informais existentes sem oposição há mais de cinco anos e cuja área total dividida pelo número de possuidores seja inferior a duzentos e cinquenta metros quadrados por possuidor são suscetíveis de serem usucapidos coletivamente, desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural.
A Lei 12.424/2011 acrescentou ao Código Civil o artigo 1.240-A, que estabeleceu a modalidade de usucapião por abandono de lar. Segundo redação do citado artigo: “Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural”.
Em todas as modalidades elencadas, conforme visto, em comum há a posse, com o exercício de poderes inerentes à propriedade, sem oposição do proprietário, que será exercida em relação ao imóvel no decorrer de determinado lapso de tempo. É oportuno acrescentar que o bem precisa ser passível de ser usucapido, visto que, por exemplo, bens públicos não estão sujeitos à prescrição aquisitiva, conforme estabelecido no texto da Constituição Federal de 1988 (artigo 191, parágrafo único).
Feitas estas considerações, presentes os requisitos elencados, o pedido de usucapião pode ser apresentado perante o cartório de registro de imóveis da comarca na qual está situado o imóvel objeto da usucapião.
Os requisitos para o pedido estão descritos na Lei de Registros Públicos[ii], no artigo 216-A, com a redação dada pela Lei 13.465/2017, e no provimento 65 do CNJ, de 14/12/2017[iii], e incluem: a descrição da modalidade de usucapião; a origem e as características da posse, além da descrição do bem, o valor a ele atribuído e indicação da matrícula; nomes e qualificação de eventuais possuidores anteriores; e assinatura, na planta, dos titulares de direitos averbados ou registrados na matrícula. Na ausência destes, o registrador competente providenciará sua notificação para manifestar concordância expressa em 15 dias.
Ademais, é indispensável que o requerente esteja assistido por advogado ou defensor público.
Importante ressaltar que o requerimento, a teor do referido provimento, deverá estar instruído com: ata notarial contendo a qualificação, endereço eletrônico, domicílio e residência do requerente e respectivo cônjuge ou companheiro, se houver, e do titular do imóvel lançado na matrícula objeto da usucapião; planta e memorial descritivo, assinado por profissional legalmente habilitado; justo título ou quaisquer outros documentos que demonstrem a origem, a continuidade, a cadeia possessória e o tempo de posse; certidões negativas dos distribuidores da Justiça Estadual e Justiça Federal, que atestem a ausência de oposição à posse.
Por fim, é preciso enaltecer o grande mérito do procedimento, na medida em que abre a possibilidade ao cidadão de apresentar seu requerimento junto à instância administrativa, evitando a morosidade do Judiciário, com todos os custos e dramas a ela inerentes.
[i] BRANDELLI, Leonardo. Usucapião administrativa: De acordo com o novo código de processo civil. São Paulo : Saraiva, 2016, p. 23. [ii] Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6015compilada.htm. [iii] Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/files/provimento/provimento_65_14122017_19032018152531.pdf Saiba mais